A SAGA DO PAU-BRASIL

Procurei mostrar a trajetória heróica do Pau-Brasil em nossa História, como se apontando no mapa o curso do Velho Chico. O Brasil, quando mais conhece, mais ama. Mais respeita ** O livro está disponível nas principais LIVRARIAS do país, distribuído pela JURUÁ EDITORA, ou pedido pelo e-mail: welingtonpinto@yahoo.com.br ; welingtonpinto@oi.com.br *** CLIQUE abaixo (View my complete profile) e veja mais sites do autor sobre literatura.

Sunday, April 03, 2005

A SAGA DO PAU-BRASIL

...

Um Livro Que Passeia Pela História Do Brasil

Através Da Ecologia

 
 
Capa edição 2000

 



Rebobinando nossa História, vale fazer uma viagem no tempo e passear pela história do Pau-Brasil, nessa parte do Continente Americano, aqui contada de forma especial para alunos do ensino fundamental. E a quem mais possa interessar.

Fundindo História e Literatura, registramos a extração abusiva do Pau-Brasil em nossas florestas, a escravidão e o extermínio de inúmeras nações indígenas em terras tupiniquins.

O livro A Saga do Pau-Brasil tem como base o princípio da Pedagogia de Projetos, capaz de estimular discentes e docentes a promover pesquisas interdisciplinares, inclusive de campo, com o objetivo de facilitar o aprendizado das questões históricas em sala de aula. Para tal, expomos os fatos, descrevendo e explicando episódios que despertam o interesse e avivam a curiosidade do jovem leitor. O que torna acessível, proveitosa e vibrante a leitura e a compreensão da História do Brasil.

A narrativa mostra boa sintonia com a sensibilidade da juventude brasileira, resgatando em assuntos históricos a ação da fala para revelar importante período do Brasil colonial.

Multidisciplinar, combinamos substância de várias disciplinas, como História, Ecologia, Geografia, Ciências, Matemática, Estudos Sociais e Português, como suporte para avaliação de alguns trechos e melhor aproveitamento do conteúdo.

A ideia é apontar um caminho criativo para o estudo de várias matérias em torno de um assunto único.

 

Welington Almeida Pinto

* SUMÁRIO GERAL






 

 

I – PAU-BRASIL DO BRASIL

IIA VIAGEM DE CABRAL

III - O PRIMEIRO CONTATO

IV - ÍNDIOS VISITAM CABRAL

V - A EMOÇÃO DO DESEMBARQUE

VI - A FESTA DO PAU-BRASIL

VII - O PAÍS DAS MARAVILHAS

VIII - O ARRENDAMENTO

IX - SUOR E SANGUE TUPI

X - VIAGENS PELO MAR DO MEDO

XI - OS PRIMEIROS BRASILEIROS

XII - A CORTE PORTUGUESA ABRE OS OLHOS

XIII - INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

 

 

01/I - PAU-BRASIL DO BRASIL




I


 

- Pau-Brasil? Nunca vi um, Professora.

- E você, Maria Vitória?

- Só ouvi falar. Sei mais que a Ana Laura!

- E você, Chico?

- Também já ouvi falar... Vi uma foto numa revista... Jornal... Que é bonita, posso garantir, Dona Diana.

A Professora:

- Levante a mão quem mais conhece ou já ouviu falar, viu fotografia, da árvore que é símbolo natural brasileiro.

- Direita ou esquerda? – brinca Maria Vitória.

- Só porque está com o braço na tipoia, aparecida! – caçoa Joana, no fundo da sala.

Chico, sempre gozador:

- Taí, gostei do aparecida... Só porque quebrou esse braço, fica levantando, na maior vantagem. Essas meninas, Dona Diana.

Maria Vitória pôs a língua para o colega, a Professora interfere:

- Chega de braço quebrado e de tipoia. Aposto que a Maria Vitória não quebrou o braço porque quis. Pelo jeito, mais da metade não ouviu falar e nem viu nossa árvore famosa. Isso mesmo, e nem uma, nem um de vocês pode ter culpa nisso. Pau-Brasil quase foi extinto em terras brasileiras...

Depois dessa conversa de fim de aula, no Colégio Alberto Santos-Dumont, a Professora Diana combina com a classe dar um passeio até o Jardim Botânico e conhecer de perto, ao vivo e a cores, um exemplar de Pau-Brasil. Para os jovens, nada melhor: uma saída do comum das aulas entusiasma a todos. Motivação melhor? A árvore famosa ia favorecer uma boa escapada da floresta de pedra da cidade grande.

No dia combinado, lá vão todos contentes, inclusive o motorista do ônibus, o Tatão, um gorducho de queixo mole e cara arredondada, que adora passar a manhã longe do trânsito agitado e admirar a natureza, principalmente uns passarinhos também raros, uma paixão de seus tempos de menino no Interior:

- Ô Dona Diana, a senhora é fogo com essas ideias.

Mal o especial estaciona em frente ao portão principal do Jardim Botânico, os estudantes, um mais assanhado que o outro, se debruçam nas janelas ou se levantam das poltronas para o corredor para descer o mais depressa.

- Já posso abrir a porta, Dona Diana? – pergunta o Tatão, cuidadoso.

A Professora, de pé junto à porta do ônibus, balança a cabeça, concordando:

- Só um minuto. Hei!... Hei!... Sem baderna, Pessoal! Sairemos em fila, bem comportados.

Os meninos, um a um, descem, falando e rindo. Acham graça em tudo.

Na entrada, orientados pelo Porteiro Juraci da Silva, um moreno troncudo, cara de índio e voz grossa, os meninos vão para a varanda do prédio da administração, onde aguardam o Diretor do Parque.

Manhã agradável, céu limpo e muito azul; poucas nuvens passeiam nas alturas. A vegetação desafiava a cidade, descia pelo Parque em camadas de glorioso verde. E nas árvores ao redor os passarinhos coloridos cantavam em galhos, ou cruzavam o ar em voos rápidos de um lado para outro.

De repente, a voz rouca de um papagaio invade a varanda:

- Ô Felício! Ô Felício! Currupaco-papaco. Ô Esmaragdo!

Todos olham para cima, procurando o dono da estranha voz. Onde? Os mais danadinhos ameaçam correr para fora do alpendre, imaginando que o papagaio só podia estar no telhado. Chico sugere, metido a entender de papagaio:

- Podemos pedir uma escada e subir para procurar o bichinho no meio daquela folhagem no beiral da varanda.

Genial a ideia. Um alvoroço, um empolgamento, querem dar palpite. Nisso, sem ninguém imaginar, um homem aparece na porta da varanda e interrompe a algazarra:

- Tchã, tchã, tchã, tchã... Aqui estou eu, Cambada!

Num pulo, os meninos recuam um passo, se embolam. O estranho homem solta uma sonora gargalhada e pergunta:

- Nunca me viram?

Ninguém responde. Todos embasbacados, olhos arregalados de espanto e curiosidade.

- Meus Senhores! Minhas Senhoras! Sou o Felício Esmaragdo Valverde, o Professor Felício, se preferem. Vieram visitar o Jardim ou aprender mais alguma coisa sobre Botânica, aposto! Fiquem à vontade, por favor, Professora...

Aliviada pelo susto, sorrindo, ela aperta a mão do Professor e diz:

- Ambas as coisas. Meu nome é Diana; estes são meus alunos, conforme telefonei. Gente, vamos cumprimentar o Professor Felício Esma...

- ... ragdo Valverde, Dona Diana, meu nome completo.

- Bom dia, Professor! – gritam em coro, com as mãos na boca, despistando uma risada pela novidade inesperada da situação.

- Bem vindos ao Jardim das Plantas.

Ana Laura, já descontraída, quer saber:

- Professor, ouvimos um papagaio tagarela por aí. Podemos ver o bichinho? Se é mesmo papagaio...

- Papagaio, aqui! Não é possível, Professora. Mas, pode ser! No Brasil, toda reserva florestal, por menor que seja, deve ter papagaio, que também simboliza esta terra.

A resposta do Diretor deixa o grupo encafifado. Entreolham-se, tentando entender a situação.

A Professora intercede:

- Vamos esquecer por enquanto essa história de papagaio. Estamos aqui para conhecer a árvore que deu nome ao nosso País. E para o Professor: - Sabemos que o senhor é botânico, ambientalista e especialista no assunto...

Felício percebe a inquietação geral e tenta acalmar o clima:

- Meu trabalho é uma obrigação e um prazer, aqui entre a Natureza. Muito bem, Garotada! Será que existe mesmo um papagaio aqui? Eu bem que desconfiava! Ouvi também voz de papagaio chamar meu nome por aí, mas ando tão entretido lendo um livro sobre vegetação brasileira que até nem prestei muita atenção... Bem, se existe um papagaio mesmo aí fora, vai ter que aparecer. Quem é vivo sempre aparece, diz o ditado. Aliás, este ambiente não pode ser melhor para um papagaio morar. Vai ver, fugiu dalgum cativeiro. O Jardim ainda não tem papagaio, a ave-símbolo do Brasil. Estamos providenciando um casal para povoar este pedaço... E também outras aves nacionais. Canários e sabiás já temos. Virão também jandaias e uns periquitos, o nosso pequeno e simpático tuim. Numa próxima visita, Vocês verão psitacídeos por todos os lados. Nosso pequeno paraíso vai ficar ainda mais bonito.

Maria Vitória, ainda um tanto confusa, insiste:

- Então pode existir mesmo um papagaio solto aqui?

Sem garantir nem que sim, nem que não, o Professor dá uma boa risada, que, para os alunos, soa com uma confissão. Felizes, se cutucam, com risinhos de satisfação curiosa.

- Muito bem, vamos deixar esse papagaio falador para o final da história. Até lá, já mostrou a cara, quero dizer, o bico. Qual é mesmo o nome da árvore que vieram conhecer?

- Pau-Brasil! - gritam os alunos na maior euforia.

O Diretor ajeita a calça jeans, sempre escorregando para baixo da barriga avantajada. Vira o rosto em direção ao fundo do Jardim, arregaça as mangas da camisa e aponta na direção de uma árvore mais distante, alta e frondosa:

- Aquela bonita e cheia de espinhos é o nosso Pau-Brasil.

Os alunos levantam os olhos em direção da árvore, que se distinguia entre outras.

- Olhem: logo ali, eu vi primeiro – grita a Professora cheia de admiração, mordendo a ponta da caneta.

O Diretor, muito extrovertido, salta para o pátio. Os meninos, agitados, nem esperam pela Professora e descem atrás do Professor Felício, correndo, no rumo de uma estradinha de terra batida, toda riscada pelas rodas das carrocinhas dos zeladores até o pé da grande árvore.

Ainda na varanda, Dona Diana acompanha a felicidade dos alunos, também alegre e emocionada, aspirando o cheiro bom de mato. E elogia:

- Isto é um paraíso, Professor! E bem no perímetro urbano!

- Ou o que resta dele, nesta selva de concreto armado!

Os dois adultos descem ao encontro dos colegiais bem mais na frente, e já com estripulias em volta do tronco majestoso da árvore-símbolo do Brasil, apalpando com cuidado a casca áspera, apanhando folhas caídas para jogar uns nos outros, como se lançam confetes em bailes de Carnaval. Outros abrem os braços e rodopiam feito avião, em torno da planta.

Conheciam um típico exemplar de um Pau-Brasil: frondoso, bem copado, cheio de folhas miúdas e de casca espinhenta; mais grosso do que um poste de luz e mais de dez metros de altura.

O Professor pede atenção:

- Meninos e Meninas, hoje é o Dia da Árvore?

- Não! - respondem uns.

- Dia 5 de junho é o do Meio Ambiente. E o da árvore, qual é mesmo? – insiste.

- 21 de setembro – afirmam, em coro.

A Professora participa:

- Todo dia é dia de árvore, não é, Pessoal?

E depois de uma nova admirada na árvore em frente:

- Que tal agora todos assentados nesses banquinhos em volta do Pau-Brasil? O Professor vai contar uma história interessante. Eu estou morrendo de curiosidade...

- Muito bem. Qual de vocês já tinha visto um pé de Pau-Brasil, assim tão de perto?

Rodrigo levanta um braço:

- Eu só conhecia de fotografia! Assim é muito mais bonito.

Felipe, que tinha estado calado, levanta também um braço:

- Só conhecia de gravura, de um livro de meu pai. Ao vivo, é a primeira vez. Legal!

- Eu também!

- Eu também!

- Eu também!

- Pela importância dessa árvore, meus jovens, ela deve ser plantada nas ruas, praças e jardins das cidades brasileiras.

- É só querer, não é, Professor Felício? – ajuda um no meio do grupo.

- Ainda tem muito Pau-brasil em nossas matas? - pergunta, outra vez o Daniel.

Sorridente, o Professor apalpa o tronco da árvore e começa a história prometida:

- Está praticamente extinto, e isso tem uma explicação. Desde o descobrimento do Brasil, europeus ambiciosos, doidos para enriquecer, viram na extração dessa madeira um meio de conseguir, rápido e fácil, grandes fortunas.

- E ganharam muita grana? – quis logo saber o Beto, faiscando os olhos.

- Quem já era rico, mais rico ficou. Naquele tempo, cortaram Pau-Brasil por toda extensão das terras que iam de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, ao Cabo de São Roque, em Pernambuco; um arraso! Coloriam a Europa de vermelho com a preciosa árvore. O Governo Brasileiro, hoje, está preocupado em incentivar o replantio de nossa árvore-símbolo. Já é um bom princípio, não acham?

Todos concordam, os braços levantados. A Professora Diana repete os gestos dos meninos.

 

02/II - A VIAGEM DE CABRAL


II


 

         O Professor Felício prossegue:

         - Atrás de nova terras para conseguir riquezas, como as que extraíam no Oriente, os portugueses não perderam tempo, ainda mais depois das descobertas de Cristóvão Colombo, para a Espanha. Assim, cheio de planos, o Almirante Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa com um frota de treze navios, com destino à Índia, onde as riquezas eram conhecidas e trazidas para a Europa com muito lucros. Viajaria mar afora pelo caminho descoberto por Vasco da Gama.

         Contam alguns historiadores que uma calmaria, isto é: uma falta de ventos para soprar na velas dos navios, obrigou a frota de Cabral a afastar-se da costa africana. Desviou-se tanto que, quarenta dias depois, com bons ventos, acaba por cruzar o desconhecido e temido Oceano Atlântico e descobre, em vinte e dois de abril de 1500, o nosso País, com sua floresta rica em Caesalpinia Echinata, o Pau-Brasil – as viagens marítimas eram muito perigosas e demoradas, como estão percebendo.

         O Professor para e pergunta:

         - Muito bem, Turma, e qual mesmo o nome da elevação de terra que Cabral e seus tripulantes avistaram primeiro?

         - O Monte Pascoal – Conceição acerta.

         - Ótimo! – e tirando um livrinho do bolso de trás das calças – aqui está cópia da carta de Pero Vaz de Caminha, o escrivão da frota de Cabral. Marquei o trecho em que descreve esse primeiro grande momento do descobrimento. Quem quer ler para mim?

         Antes que alguém responda, Ana Laura levanta um braço:

         - Manda o Chico, ele vive esnobando que tem de locutor de rádio.

         O garoto cai na risada:

         - Você é quem deve ler... É a mais tagarela da turma.

         - Eu não! Mas se é para o bem geral de todos...

         - Muito bem, Laura. É um trechinho de nada – mostra o Professor.

         - Mas só vale em sotaque português! – sugere Ana Julia.

         - Isso eu não sei imitar. Ah!... Vamos lá: ... quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-buchos. Neste dia, a horas de vésperas, houvemos vista de terra. Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo: e doutras serras mais baixas ao sul dele: e de terra chã, com grandes arvoredos: o monte alto o Capitão pôs o nome: o Monte Pascoal, e à terra, a Terra de Vera Cruz.

         - Parabéns! E por que Cabral deu esse nome ao monte?

         - Por ser época da Páscoa – pressa em dizer, Vitor.

         - Professor, essa história de calmaria parece papo furado... – Maria Vitoria, a do braço direito numa tipoia, insiste no assunto dos ventos parados.

         O Diretor coça a testa, em sinal de paus para raciocinar:

         - Com o avanço dos estudos da História do Brasil, essa lenda das calmarias já está explicada. A frota de Cabral viajou mesmo com intenção definida para tomar posse de umas terras que Portugal sabia existir, embora superficialmente, por algo, por assim dizer. Pelo Tratado de Tordesilhas, assinado em Julho de 1494, ente os reis de Portugal e Espanha, todas as terras descobertas nos limites de 370 léguas além da Ilha de Santão, no Arquipélago de Cabo Verde, pertenceriam a Portugal.

         - Já li, Professor: os ventos fortes é que afastaram a frota de Cabral da rota – completa Matilde.

         - A Carta de Pero Vaz de Caminha, aquela para Cabral enviar ao Rei, conta a descoberta com pormenores. Desmente essa tese, mesmo com o desaparecimento da nau comandada por Vasco de Ataíde, como também das calmarias. Caminha informou que durante a viagem não ter havido tempo forte nem contrário.

          - Tanto segredo! Por quê?

         - O silêncio pode ser de outro – filosofa o Professor. Talvez o rei Dom Manuel I não tinha absoluta certeza de encontrar terras dentro dos limites fixados no Tratado de Tordesilhas. Um fracasso desprestigiaria a memória de Dom João II, que tinha assinado o documento, certo de assegurar parte de terras do outro lado do Mundo a Portugal, como fez Cristóvão Colombo para a Espanha. Pode ter sido essa a razão do sigilo. Caso Cabral não descobrisse nada, ninguém ia saber. O destino declarado publicamente da viagem era a distante Índia, onde ia constituir relações comerciais com Calicute e, principalmente, consolidar a presença portuguesa no continente. E quem duvidaria?

         - Rei esperto! Ninguém tinha pensado nisso – comenta Jaqueline.

         - O segredo é a alma do negócio – cita a conhecida frase o Chico, sempre com um palpite na ponta da língua.

         Risos gerais.

         - O assunto é polêmico. Em 1843, o historiador Francisco Adolfo Varnhagem, após consultar a Carta do Mestre João Faras, nos arquivos da Torre do Tombo, em Portugal, passa a defender a intencionalidade da descoberta do Brasil.

         - Professor Felício - levanta a mão Sonia – não é Var... nhagem quem descobriu a tumba com os restos mortais de Cabral?

         - Sim senhora. Isso se deu em 1839, lá em Santarém, também Portugal. Aí, ele botou a boca no mundo acusando Portugal de descaso com o túmulo.

         - Epa! – protesta um.

         - Professor, existem mais provas de que a Corte Porguesa sabia das terras por aqui? – pergunta Lucinha.

         - Sim. E bem consistentes. Se Cabral não renovou o estoque de água em Cabo Verde, é porque ele tinha segurança que faria escalas em terras ocidentais. Caso contrário, a tripulação morreria de sede antes de chegar à Índia. Tem outra versão que é um verdadeira bomba, a do historiador português Joaquim Barradas da Carvalho. Ele garante que, em 1498, Duarte Pacheco Pereira esteve no Brasil, numa viagem secreta, a serviço da Coroa. Em 1505, publicou um tratado sobre Navegação e Geografia da costa africana, com o nome Esmeraldo de Situ Orbis (Sobre os Lugares do Mundo), onde registra pormenores sobre terras na parte ocidental do Atlântico, como a de uma grande terra firme, com muitas ilhas oceânicas e cobertas de muito fino brasil. Duarte foi um dos negociantes portugueses no Tratado de Tordesilhas e comandou uma da caravelas de Cabral.

         - Que legal, sô! – surpreende Juquinha.

         O Professor vai completando a narrativa:

         - Outra prova importante. Em fevereiro de 1500, exatamente no dia dois, pouco antes da chegada de Cabral nas praias brasileira, o espanhol Vicente Yañez Pinzon, navegando com uma flotilha de quatro caravelas, desembarca na Ponta do Mucuripe, atual Estado do Ceará. Dali é que avança para o noroeste, indo descobrir a foz do Rio Amazonas. Impressionado com a vastidão de seu leito, chama o local de Santa Maria del Mar Dulce.

         Na volta para o mar, Pinzon, ainda próximo da costa do Pará, cruzou com a expedição de Diogo de Leppe, outro espanhol que navegou pelo Brasil antes de Cabral. O principal testemunho dessa viagem pioneira é a chamada Carta de Juan de La Costa, cartógrafo e navegador, escrita ainda em 1.500.

         Os visitantes imaginam a cena, e o Professor Felício conclui:

         - O certo, meus Caros: a Terra dos Papagaios, a Terra do Pau de Tingir, a Terra dos Tupis e dos Tapuias, chamada por estes de Pindorama, foi mesmo descoberta por Pedro Álvares Cabral, que encontrou ancoradouro firme, mais com alívio e satisfação, do que com surpresa. Acho que nada vai tirar o pioneirismo de Cabral. Para muitos historiadores, o ano de 1500, como descobrimento do Brasil, se reveste de um caráter mais simbólico e oficial do que real. Não importa!

         - Ao pronunciar Terra dos Papagaios os estudantes remexem nos banquinhos. O Professor percebe a inquietação, e tranquiliza os ouvintes:

         - Não me esqueci da história do papagaio desconhecido. Vocês não perdem por esperar mais um pouquinho!

         Risos confiantes. Ângela tira uma dúvida:

         - Verdade que o nome do Rio Amazonas foi uma homenagem a uma tribo de mulheres guerreiras, que vivia na região?

         - Conta a História que o navegador espanhol Francisco Orellana foi quem viajou pela primeira vez pelo enorme rio. No diário de bordo, ele relata ter encontrado índias guerreiras montadas a cavalo, como na lenda da amazonas. Pelo sim, pelo não, o fato determinou a escolha do nome para o maior rio do planeta.

         O Professor Felício volta a falar de Cabral:

         - Ele era inteligente, ambicioso, profundo conhecedor de Geografia, Ciências e da arte de navegação. Tinha muito prestígio em Portugal, tanto que na sua despedida, uma multidão tomou conta do cais. E, pelo Rio Tejo, dezenas de barcos, apinhados de gente, festejaram em torno de seus navios até a frota desaparecer no horizonte.

         Tiago se ajeita numa pedra em que estava sentado, e pergunta:

         - Aposto que Cabral também queria buscar Pau-Brasil?

         - Não. A portentosa armada de Cabral, em cujas velas dos navios realçava o enorme símbolo da cruz da Ordem de Cristo, veio apenas sondar a região. Confirmar terras, claro. Depois, voltaria à Índia para assumir de vez o domínio português naquele território; prender ao Reino Lusitano os Samorins e Rajás indianos pelos laços do comercio e da aliança diplomática, principalmente Glafer, o Samorim de Calicute.

         - Pelo bem ou pela força, não é, Professor? – caçoa Ana Laura.

         Chico levanta o braço para esclarecer uma dúvida:

         - Uai! Então Pindorama foi o primeiro nome do Brasil?

         - De certa forma, sim.

         - que significa Pindorama?

         - Em Tupi, quer dizer Terra das Palmeiras.

03/III - O PRIMEIRO CONTATO


III


 

Entusiasmado com a motivação nos meninos, o Professor continua:

- Na quinta-feira, dia 23, assim que amanheceu, a esquadra cabralina avança um pouco mais, ancorando-se em frente à desembocadura de um pequeno rio, o Caí, ao sul do Monte Pascoal, aproximadamente meia légua (3 km) da costa.

Dos navios, a tripulação curiosa, avista um grupo de homens que andava pela praia. Nicolau Coelho, marujo que participou da viagem de Vasco da Gama à Índia, foi o primeiro a desembarcar para tentar um contato com os nativos.

- E o coitado foi sozinho? – se preocupa Ana Laura.

- Não, nem pensar... Levou o companheiro Gaspar da Gama, o judeu da Índia, conhecedor de vários dialetos hindus da costa de Malabar, um padre, um grumete da Guiné e um escravo da Angola.

E depois de um suspiro:

- Tudo era desconhecido até então. Ana Laura, venha ler o trecho em que a carta de Caminha registra este encontro histórico.

A menina, vaidosa:

- Sim, Professor. Parece que virei a narradora oficial do Jardim Botânico! Muito bem, me dá o livro.

- Não vale gaguejar – faz chacota a Maria Vitória.

- Eu não sou gaga. Muito bem, vamos lá: de acordo com Caminha eram poucos índios, cerca de 18 ou 20, pardos, todos nus, trazendo nas mãos arcos e suas setas, aguardavam na praia os estrangeiros com aquelas roupas mais espalhafatosas, jamais vistas por eles. Nicolau, por gestos, fez sinal para que pousassem os arcos. E eles consentiram. Dóceis, receptivos, tornaram fácil o primeiro encontro com o branco. Nicolau, para iniciar as relações diplomáticas com os índios, ofereceu-lhes o seu barrete vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto. Em troca, os índios retribuíram com uns cocares de penas compridas, pintadas de vermelho, e colares de continhas brancas; o Padre dava-lhes a bênção, fazendo no ar o sinal-da-cruz, o que os índios, naturalmente, nada entendiam.

O Professor dá um tapinha de leve no ombro da estudante, agradecendo. E continua:

- Quando Nicolau regressou ao navio, todo satisfeito, Cabral esperava aflito no convés: - Vamos, Nicolau, (o Professor Felício acentua o sotaque português), diga logo o que viu, o que conversou com a gente dessa terra!

O marujo, o rosto avermelhado pelo sol forte da praia, o dólmã, um tipo de casaco militar, desabotoado no peito, responde ainda meio surpreso:

- Pura sorte! Mal sabe o Capitão o que nossos olhos viram?

- Não me faça suspense, ó Nicolau. Sem trocadilhos, conte logo.

Nicolau, piscando muito, exclama:

- Todos nus, Capitão! Peladinhos! Peladinhos! Tanto homens como mulheres. Gente parda, de bons narizes e bons corpos. Ih! Nuzinhos, como Adão e Eva no Paraíso! Pobrezitos, de uma ignorância espantosa! Nunca dos nuncas meus olhos viram coisa igual. Mas, são muito agradáveis.

- Que nada vestem, isso lá eu sei, pá!... Afinal para que servem minhas lunetas! Diga que conversa teve com eles, homem de Deus? Não me minta pela gorja! – Cabral, impaciente, alisava com a mão direita a barba densa, arrebitando um pouco o dedo mindinho, onde exibia uma safira indiana, presa num grosso anel, reluzente ao sol.

Os olhos do Marinheiro Nicolau brilhavam como a safira do dedo do Capitão-Mor. E procura explicar melhor o encontro com os nativos:

- Ora, pois, pois, Almirante. Ih! Ih! Tentar, eu tentei falar no Português mais compreensível que pude. E nada. Não entendiam bulhufas. Também nada compreendemos do que eles falaram. Uma língua muito estranha! Entendemo-nos por meio de gestos. Capitão, isso garanto: aqueles lá não são negros, nem mouros, nem hindus.

- Arre! Isso eu também percebi, ora, Nicolau – bufa Cabral.

Cabral começa então a passear de um lado para o outro no convés do navio, absorto em pensamentos. Depois, torce o nariz e pergunta:

- Nicolau, diga-me mais: deu para saber se professam alguma religião, se temem ao nosso Deus?

Mais uma vez, com um sorriso amarelado, Nicolau Coelho se esquiva:

- Não, Capitão. Isso lá não me foi possível perguntar. Me perdoe... Nem lembrei.

Cabral andava cada vez mais ansioso pelo convés, com passadas tão rijas que tremem o soalho da embarcação. Para e grita por um marinheiro, pede um jarro de água fresquinha, trazida da terra pelos companheiros de Nicolau, e bebe quase tudo num gole só. O calor tropical batia intenso. Os portugueses não estavam acostumados com um clima assim.

- Jesus! De que adianta lembrar, você só fala Português, Nicolau! Não ia entender nada mesmo! Os nativos terão pelo menos alma?

O marinheiro, num sorriso servil:

- Isso lá não foi possível observar, meu Capitão. Ih!... Se aqueles têm alma como nós, não mostraram. O padre pode responder com segurança. Assim que aterrarmos todos, vamos esmiuçar a vida dessa gente. Saberemos tintim-por-tintim o que se passa com eles. São pacíficos e curiosos, isso eu garanto, e facilitarão tudo, com certeza.

Após refletir, Cabral faz um sim com a cabeça e aplica várias batidinhas nas costas de Nicolau, aliás, confuso com tanta pergunta. Cabral, compreensivo:

- Pileca!... Está bem! Está bem, Companheiro! Todos ficam liberados para desembarcar, tão logo decida o dia e a hora. Um porém: não podemos esquecer que estamos aqui nesse fim do mundo para trabalhar, nada de excessos. Dos índios, primeiramente, cuidarão os religiosos. Encontre o Escrivão Pero Vaz de Caminha e relate tudo o que viu.

Terminada a conversa com o Marinheiro Nicolau, o Capitão-Mor, os olhos pregados no Continente, recosta-se num dos mastros do convés; emocionado pelo espetáculo de cores e de luz de um pôr-do-sol inteiramente novo.

O Professor continua:

- Vem a noite, Cabral ainda permanece na proa do navio, calado, namorando no infinito uma estrelinha solitária, que brilhava e tremia, muito viva, destacando-se no firmamento. E certamente pensando em Isabel de Castro!

- Isabel de Castro! Quem era? - surpreende-se Isabela.

- A sua namorada. Muito ansiosa, esperava por ele em Portugal.

- Eles se casaram?

- Em 1503. Tiveram vários filhos e viveram felizes para sempre.

- Legal!

- Só mais tarde Cabral deixa o convés, dá algumas ordens à tripulação e entra na cabine para repousar. Junto à imagem de Nossa Senhora da Boa Esperança, reza uma oração: Ó bondosa Protetora dos filhos de nossa terra, nunca desprezes as preces, daquele que em Ti, sempre espera.

Apaga o candeeiro e logo adormece; feliz da vida, encantado.

Maria Vitória quebra o silêncio dos ouvintes e tira uma dúvida:

- Índios! Por que chamaram nossos selvagens de índios? Para mim, índio deveria ser gente da Índia.

- Você tem inteira razão, minha querida! Esse foi o nome que Cristóvão Colombo deu aos nativos, ao descobrir o Continente Americano, em 1492. Colombo morreu acreditando que tivesse chegado em terras indianas. Por isso, chamava de índios as criaturas que encontrou nas Antilhas.

 

04/IV - ÍNDIOS VISITAM CABRAL



 

IV


 

O Professor faz uma pequena pausa e continua:

- Naquela noite caiu uma forte tempestade na região, tão forte que, por pouco não causou grandes prejuízos à frota de Cabral. Como a sexta-feira amanheceu cheia de sol, o Conselho de Pilotos, sugeriu ao Capitão levantar as âncoras e fazer velas, em busca de algum lugar mais abrigado. As embarcações pequenas foram na frente, rumo ao norte, à procura de um ancoradouro mais seguro. Após bordejarem umas dez léguas, já à tardinha, atingem a foz do Rio Mutari e descobrem um recife com um excelente porto, ampla entrada, com capacidade para abrigar mais de duzentas caravelas.

Cabral, fundeado com sua nau Capitânia mais ao sul do recife, manda o piloto Afonso Lopes, homem vivo e destro, sondar o porto. Ele toma uma almadia e desce até a praia. Mais tarde, à noitinha, volta trazendo dois indígenas, que foram muito bem recebidos por Cabral e pela tripulação. Entusiasmados com tudo que viam, os nativos logo ficaram à vontade sem se importar com a curiosidade dos portugueses.

Caminha, surpreso, pega a pena e assim descreve os gentios: ... a feição deles é serem pardos - maneira de avermelhados - de bons rostos e bem feitos; andam sem nenhuma cobertura; trazem o beiço de baixo furado e, metido por ele, cenhos brancos de ossos, agudos na ponta como furador. Os cabelos são corredios, e tosquiados de boa grandura.

- Almadia! Que isso, Professor? – pergunta curioso Igor.

- Almadia é uma embarcação muito comprida e estreita. Vem do árabe: al-ma’adiã. Muito bem, continuando: - Cabral pede para mostrar aos nativos um papagaio, eles reconhecem. Depois, uma ovelha, eles nem ligam. Uma galinha, eles ficam assustados e com medo. Depois, Cabral manda servir aos índios, peixe cozido, biscoitos, arrufadas, mel e uma taça de vinho. Rejeitam tudo. Um deles aponta o dedo para o colar de ouro de Cabral e, depois para a praia, querendo dizer que ali havia ouro...

Caminha mata a charada:

- Isso nós assim pensamos, por assim o desejamos.

O Professor deixa de imitar os portugueses e arregala bem os olhos, dizendo:

- Aí que a tripulação ficou mais interessada nos jovens guerreiros!

O olhar do Chico chega a brilhar:

- Os índios mostraram o caminho da mina?

- Os navegantes bem que tentaram tirar deles mais informações sobre metais preciosos. Deram a eles camisas novas, carapuças, dois rosários de contas brancas e alguns guizos. Mas de nada valeu o esforço.

Na manhã seguinte, sábado, Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias desembarcam com os dois índios. Ficaram tão contentes e amigos dos portugueses que facilitaram o entrosamento deles com sua tribo.

 

05/V - A EMOÇÃO DO DESEMBAQUE


V


 

- Conforme determinado, meus jovens, dia 26 de abril, domingo da Páscoa, Frei Henrique Soares, de Coimbra, o principal dos padres a bordo, celebra a primeira missa num altar armado nas areias de um país ainda para eles sem nome. Na segunda-feira, grumetes cuidam de abastecer os navios de água fresca e lenha, enquanto outros iniciam a preparação de uma pesada cruz de madeira. No dia 29, Sancho de Tovar, o imediato de Cabral, comanda a procura de alimentos. No dia 30 os marinheiros continuam levando água, lenha e alimentos para as embarcações, ajudados pelos nativos, que se fizeram amigos dos portugueses.

Na sexta-feira, dia 1º de maio, Cabral manda erguer a cruz, adornada com o brasão do rei de Portugal, como sinal de posse e domínio. Ao pé dela, Frei Henrique e seus freis, num altar rústico construído na véspera, celebram a segunda missa na nova terra.

O Capitão-Mor permanece o tempo todo ao lado do altar, todo garboso, vestido de gala: um fardamento azul, com debruns dourados, espetado de medalhas, capacete com penachos azul claro e amarelo, espadachim na cintura, botas longas de couro cru e com um colar de ouro muito grande no pescoço.

Depois da cerimônia, cercado pelos seus Capitães, Cabral, emocionado com os acontecimentos, passeia pelas praias do ilhéu da Coroa Vermelha, saudando todo mundo, isto é, os marujos que festejavam a posse e os nativos, curiosos, reunidos na beira do mar, já bastante familiarizados com os portugueses.

Pedro Álvares Cabral fica impressionado com a densa floresta logo na sua frente: árvores colossais, tão grandes de alcançar as nuvens. E muito mais alegre ao ver a imensa quantidade de Pau-Brasil, destacando-se no meio da mata, ao longo da orla marítima.

- Os Tupiniquins receberam tão bem assim os portugueses? – Carolina quer saber, quase junto com outros meninos.

- Com festa. Mais ou menos assim: os mais jovens cercam Cabral por todos os lados, deslumbrados com sua vistosa vestimenta. Mães índias, cheias de curiosidade, vão e vêm com seus filhos escanchados na cintura; riem de tudo, com pureza. Os mais velhos, ainda desconfiados com a novidade, permanecem meio afastados, observando a chegada dos estrangeiros. E os meninos, estes mais alegres com a movimentação e, já bem entrosados com os brancos, promovem macaquices na areia da praia, tentando chamar a atenção dos adultos.

- E Cabral foi mesmo legal com os índios? – pergunta Rafael.

- Adorou o bom entrosamento entre os gentios e a sua tripulação. Pedro Álvares cumpria as recomendações de Dom Manuel I: fazer amizade com os povos, estabelecer com eles relações de comércio e, se for o caso, convertê-los à fé cristã.

Querendo agradar, procura logo um jeito de retribuir a recepção e pede ao ex-Bobo da Corte, o Marinheiro José Esperto, também conhecido pela alcunha de Zé Bom de Pé, para fazer uma apresentação, isto é, dar um show, e divertir ainda mais aquela gente.

- Bobo da Corte, que isso, Professor – interrompe Paula.

- Naquela época a corte contratava um cara engraçado só para fazer o pessoal rir. Tinha que ser extrovertido, comunicativo e otimista. Brincalhão nato, que gostasse de dar boas risadas, de fazer brincadeiras com os outros e sempre disposto a contar uma boa piada. Entendeu?

- Agora, sim. Bem, continua a contar que estou adorando.

- Bom saber. Vamos lá: ... aí, o moço, que de bobo não tinha nada, esperto até no nome, abre uma roda no meio das pessoas e começa a palhaçada: levanta-se sobre as pernas arqueadas e se lança em uma série de figuras acrobáticas, cada uma mais engraçada do que a outra, numa flexibilidade física e cênica fenomenal. Salta de frente, salta de costas, gira no ar. Com as mãos no chão, corre de pernas para cima. Dá cambotas. Saltos mortais. Faz careta. Apronta. Depois de tanta estripulia, o Marinheiro, ainda consegue fôlego para pegar uma gaita de foles, tocar músicas alegres e dançar; inspirado na ginga da capoeira africana, introduzia até elementos de angola na coreografia. Um espetáculo e tanto, onde só faltou mesmo o berimbau.

Dona Diana ressalta:

- Esse João Esperto devia, lógico, como um bom Bobo-da-Corte, parecer muito engraçado mesmo. Tão ágil e espirituoso que rapidamente conquistou a atenção e admiração dos silvícolas e até dos marinheiros, acostumados com suas macaqueações.  

- Os índios, também caíram na farra? – mostra-se curioso, o Mateus.

- Aposto que sim! - adianta a menina Rita de Cássia, com ar de sabichona.

- E como! Os índios assistiam tudo, hipnotizados. Observavam o espetáculo com um encantamento que crescia à medida que o Zé Bom de Pé encadeava cambalhota após cambalhota. Cada um mais contagiado do que o outro, dançava a seu modo ou arremedava gestos dos brancos.

E imitando Cabral, Felício Esmaragdo segue com a narrativa:

- Santos Anjos! Nessa colônia dinheiro dá em árvores, ou melhor, no sulco bendito, colorido e afortunado dos seus troncos. Sua Majestade, Dom Manuel I, precisa ser muito bem informado de tanta riqueza, ora, pois-pois!

Os meninos começam a rir com a remedação linguística do sotaque português, representado pelo Professor, já um artista para os ouvintes, agora bem mais descontraídos:

- O Jovem Cabral, Alcaide-Mor de Azurrara e Senhor de Belmonte, assim também chamado, vibra com tudo. Logo despacha importante ordem a Caminha, escrivão que entrou para nossa História por causa de uma carta:

- Escrivão Pero Vaz de Caminha, cesse tudo que está aí a descrever dessa festa e prepare uma descrição especial, em carta ao nosso rei, dizendo que tudo anda certo no achamento das novas terras e que, nessa região santificada pela fantástica natureza, existe em abundância a planta que dará muita riqueza ao Reino de Portugal. É o Pau-Brasil, Pero Vaz, é a madeira de afortunadas qualidades. Estamos feitos!

Em seguida, Cabral convoca alguns ajudantes, e impõe:

- Tragam os machados mais afiados e derrubem quantas boas árvores de Pau-Brasil puderem. Quero todas viçosas e sadias, dignas de um monarca português. Enviarei tudo, já, já, a Lisboa! A Europa mais uma vez cairá aos pés dos domínios lusitanos, ora pois!

Risos gerais.

Felício Esmaragdo Valverde aprecia a própria versatilidade e dá outra de artista, arremedando de novo o Almirante Português, no sotaque e nos gestos. Com a mão direita, assim, na altura do peito, posudo, importante, fala mais grosso e ordena:

- Capitão Gaspar de Lemos, tão logo o Escrivão Caminha termine a Carta ao rei, prepare sua nau e faça velas ao mar; retorne a Portugal com boa quantidade de troncos de Pau-Brasil; D. Manuel vai adorar receber nossa encomenda. Que os ventos lhe sejam constantes!

O Professor faz uma pausa e continua:

- Aí, meus jovens, ruídos estranhos dentro da floresta chamam a atenção de Cabral e de seus comandados; barulhos muito esquisitos. Admirados, reparam ao longo daquele imenso tapete verde. Cabral leva o dedo indicador aos lábios e para para observar melhor e escutar uns guaribas, uns macacos, trançando de galho em galho, no alto das árvores, no maior alvoroço. Terra mais estranha! Pensou, com toda certeza.

Ana Laura ergue a mão:

- Pelo entusiasmo de Cabral, o Pau-Brasil só existia aqui.

- Que nada! Documentos registram que uma espécie semelhante, a Caesalpinia Sappan, nativa da Sumatra, já era industrializada na Ásia há muito tempo, desde o século XI. O produto chegava a preço de ouro ao mercado europeu, vindo principalmente do Egito e da Turquia, através dos comerciantes venezianos e genoveses, habitantes de cidades hoje da Itália, que eram os melhores navegadores do mar Mediterrâneo. Cabral tanto conhecia a famosa e procurada Madeira de Tingir (Caesalpinia Echinata, este o seu nome científico de uma das espécies encontradas no Brasil), que mal põe as botas na areia da praia já vai de olho nas árvores de Pau-Brasil, logo na sua frente. Imaginem vocês como ficaram os olhos cobiçosos do Capitão-Mor com o achado...

Marco Antônio aproveita a deixa e brinca:

- Cabral não quis mandar também umas belas moças índias para Portugal?

- Menino esperto! Cabral não achou prudente enviar índios entre as amostras da nova terra. Mandou apenas arcos, flechas, enfeites, papagaios de várias cores e muitas toras da madeira vermelha, o cobiçado pau-de-tinta. Quanto mais nativo ficasse para ajudar na derrubada da preciosidade, melhor, maior o lucro, deve ter concluído fácil o Capitão.

César, até então calado, indaga:

- Quantos dias Cabral ficou no Brasil?

- Dez dias, meu Caro. Tempo suficiente para tomar posse do território achado, descoberto, como queira, recolher amostras da nova terra, mandar rezar duas missas, como de costume e impressionar os índios, já caindo de amores pelas gentilezas dos chegantes.

- Pelo menos por enquanto - critica Ana Laura, cada vez mais ativa.

- Os índios levam a pior, desde aquele dia... – interfere a Professora. - Os europeus chegaram como os legítimos donos da terra, sem respeitar os direitos dos povos que viviam aqui há séculos.

- A Professora tem razão. Mas... Só para encerrar esse capítulo: no sábado, pela manhã, a frota de Cabral parte para as Índias. E a nau de Gonçalo, abarrotada de Pau-Brasil, volta para Portugal.

- Professor, – pergunta Tijuca balançando o braço – a frota de Cabral tinha mesmo os melhores navios daquele tempo?

- O que havia de mais moderno, ou melhor, a síntese da mais alta tecnologia existente na época. As caravelas eram consideradas as embarcações mais sofisticadas disponíveis no mercado; o ônibus espacial da era dos descobrimentos

 

06/VI - A FESTA DO PAU-BRASIL


VI

 

- Dias mais tarde – continua o Professor Felício - D. Manuel I recebe com entusiasmo o mensageiro de Cabral. Depois de ler todas as cartas dirigidas a ele, fica impressionado com a riqueza de detalhes do relato de Pero Vaz de Caminha. Faz o sinal-da-cruz e beija os dedos cruzados, agradecido: pareceu que Nosso Senhor milagrosamente quis que se achasse terra tão generosa em tão preciosa planta de tinta!

O rei enchia os olhos diante dos toros de Pau-Brasil, e também dos papagaios tagarelas. Na verdade, não esperava notícias tão agradáveis da nova colônia. Juntava gente no Palácio para escutar, imaginando todos mundos e fundos com a minuciosa descrição da terra encantada.

- Babava, isso sim, com as novidades - completa Cidinha.

- E as outras cartas? - Dinha questiona.

- Também importantes, é claro. Tinha carta até do próprio Cabral e de outros tripulantes das caravelas para D. Manuel I, como também para as suas famílias, amigos, namoradas. Entre essas cartas, a do Mestre João, que descrevia a constelação do Cruzeiro do Sul, muito bonita e jamais vista por olhos europeus.

Mas a Carta de Pero Vaz de Caminha destacou-se das demais, lógico, pelas minúcias bem relatadas durante a viagem e da descrição da nova terra, num depoimento de entusiasmo e alegria, de um escrivão impressionado com a beleza do lugar e com a felicidade dos nativos, sempre com um perpétuo sorriso em tudo. Foi através dela que a Europa ficou sabendo que tinha portos seguros, gentio amigável e ares balsâmicos. E, na sua vastidão, coberta pela esbraseada madeira. Através da Carta de Caminha, ainda hoje é possível reconstituir com pormenores os dias inaugurais do Brasil, o nascimento de nossa Pátria.

- Um bom historiador, esse Caminha, heim Professora!?

- Boa observação, Márcia. Quando voltarmos, vamos ler mais trechos da Carta. Muito curiosa e importante.

Todos:

- Claro, Dona Diana!!!

Um fala meio escondido:

- Convida o Professor para ir escutar a Carta também.

- E lá em nossa sala de aula...

- Assentadinho bem na frente...

- E bem comportado...

- E sem dar muito palpite feito o Douglas aí...

- Só o coitado do Douglas?

- Evidente, Meninos! Já está convidado, em nome de toda a turma, Professor Esma...

- ... ragdo Valverde, Dona Diana. Vou, sim, e com maior prazer. E me comporto de acordo... Marquem o dia e a hora. Aproveito e levo um personagem muito importante que ainda vão conhecer e admirar... Surpresa! Também...

- Professor, essas cartas estão guardadas em algum museu?

- A grande maioria, Vitória, foi queimada num incêndio em Lisboa, em 1580. As que escaparam do fogo, foram engolidas pelo terremoto de 1755. Azar e tanto, né! Restaram apenas a de Caminha, do Mestre João e a Relação do Piloto Anônimo.

Risos parcelados. O mestre continua a história:

- O poder, então, sobe à cabeça do rei D. Manuel I. Tanto que anuncia aos outros reinos, com muita propaganda, a nova descoberta de Portugal. Para o rei da Espanha escrevera carta especial, considerando-se senhor da Guiné e da conquista, da navegação e do comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia... Senhor da Terra de Vera Cruz, onde existe a maior concentração de pau-de-tinta do Mundo.

Lisboa transforma-se num atrativo centro de negócios de além-mar, tornando-se uma das cidades mais ricas da Europa e o mais ativo mercado de Pau-Brasil, escravos e especiarias do Mundo. Imediatamente foi invadida por banqueiros alemães, liderados pela família Fugger, comerciantes italianos e agentes judeus que especulavam com especiarias e Pau-Brasil.

Dom Manuel I manda instalar no Salão Imperial uma grande exposição e exibe com destaque as peças de Pau-Brasil e outras amostras da Terra de Vera Cruz. Tinha papagaio até falando Português misturado com língua dos índios... Um grande acontecimento em Lisboa, prestigiado pelos maiores comerciantes e industriais ligados ao mercado têxtil da Europa.

Renata, interessada:

- E aí, Professor, quando apareceu pela primeira vez o nome do Brasil nos mapas?

- Em 1501, no mapa de Cantino, logo após a viagem de Américo Vespúcio, que dá o nome de rio Brasil, o que fica próximo de Porto Seguro.

O Professor, após uma pequena pausa:

- Portugal vivia o Século Áureo. Vasco da Gama descobrira o itinerário das especiarias e Pedro Álvares Cabral o país do Pau-Brasil. E Lisboa tornava-se a Senhora dos Mares.

 

07/VII - O PAÍS DAS MARAVILHAS


VII


E prossegue Felício Esmaragdo Valverde:

- A madeira vermelha, meus jovens, produz uma sensação ambiciosa de poder na Corte Portuguesa, naqueles anos dos mais surpreendentes descobrimentos. Assim, foi logo decretada sua exploração comercial. Em seguida, Dom Manuel I convoca Gaspar de Lemos para fazer velas, como diziam, até a nova colônia, com o objetivo de verificar as verdadeiras riquezas do lugar; realizar um levantamento minucioso da costa e informar a quantidade presumida de Pau-Brasil, existente.

Nisso, o Diretor olha para a Professora, dando sinal de que queria descansar um pouco, e pede:

- Dona Diana, explique aos seus alunos a missão de Gaspar de Lemos, já que este assunto é também de sua área.

- Com prazer, Professor. Mas fique sabendo que não tenho nenhum jeito de representar, como o senhor faz, imitando sotaque português, dramatizando como poucos a história. Então, vamos lá, Meninos: Partindo de Lisboa, em maio de 1501, com três navios, noventa dias depois, a expedição exploratória de Gaspar de Lemos ancora na costa do atual Estado do Rio Grande do Norte, onde começa o trabalho de identificar, um a um, os acidentes geográficos do litoral da então chamada Terra de Vera Cruz, que, depois, como devem saber Vocês todos, vai receber novo nome por causa da sua madeira principal.

Chico, braço levantado, pede logo mais esclarecimentos:

- Essa história de identificar acidentes geográficos...

- Acidentes geográficos! Ora, Chico, você se lembra muito bem quando estudamos essa matéria na História do Brasil e também em Geografia! Tudo bem, não temos obrigação de lembrar tudo. Podem perguntar à vontade, não é Professor Felício Esma...

- ... ragdo Valverde... Claro que sim, Diana. Bobo quem não pergunta nada.

Rapidinho Cidinha pega a pergunta no ar e entra no assunto dos acidentes geográficos:

- Também vou ajudar, com licença, Dona Diana. Li sobre isso, é muito interessante. Gaspar de Lemos levou com ele especialistas em várias áreas da Ciência. Entre eles, o italiano Américo Vespúcio, cosmógrafo super experiente. Aparecia um morro, um lugar para estacionar um navio, um... Ancoradouro, uma saída de rio para o mar... Uma... Foz de rio, o acidente geográfico acabava batizado com o nome do Santo comemorado naquele dia. Deviam levar também no navio uma folhinha, um calendário, tipo Folhinha de Mariana. Cada dia tem um santo para comemorar.

- Olha aí, Chico: a Cida ganha de você e da tipoia da Maria Vitória! – graceja o colega Robson.

- Muito bem. Quais foram as nomeações feitas por Gaspar de Lemos?

Chico, enciumado, sai na frente:

- Essa eu sei. Decorei todos. Decorar é comigo mesmo. O primeiro: Cabo de São Roque, depois o de Santo Agostinho, os rios... Espere aí... Ah: São Miguel e São Francisco, até cá em baixo, o Porto de São Vicente. Todos. É duro saber de cor e salteado!

Felício dá um tapinha no ombro do Chico, e aperta sua mão:

- Menino supimpa, sô! E a Cidinha, a grande sabichona! Vou ter mais cuidado com esta sua turma, Professora!

Uma voz de menina não identificada:

- Chico Decoreba!

- Cidinha é fogo!

A Professora Diana retoma o fio da meada de sua narrativa:

- Depois da expedição de Gaspar de Lemos, não é Professor Felício?

- Esmaragdo Valverde ...

- ... A notícia da fartura de madeira de tinta no Brasil se espalha rapidamente pela Europa, despertando a cobiça de contrabandistas de todo Mundo. A Coroa Portuguesa se apressa em determinar o monopólio real de sua extração - reserva estatal que permaneceu até o Século XIX, quando os corantes artificiais desbancaram os naturais.

A Professora faz uma pausa e segue:

- Aí... começa a exploração sistemática do Novo Mundo lusitano, principalmente pelos piratas. Navios saem daqui abarrotados de toras de Pau-Brasil, de animais exóticos, como saguis e papagaios, peles de animal, redes de algodão - era elegante uma dama europeia carregar nos braços um macaquinho tupiniquim, amarrado pelo pescoço, por uma corrente de ouro.

- Que pesadelo, meu Deus! Era o homem branco, civilizado, deixando a marca da maldade em nosso Brasil! - critica Ana Laura.